sábado, 31 de maio de 2008

Resenha do livro: 1968 O ANO QUE NÃO TERMINOU


VENTURA, Zuenir. 1968 O ANO QUE NÃO TERMINOU. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.


O ano de 1968 representou um momento de rupturas e novas propostas referentes ao comportamento e à política. Foi um ano marcado de manifestações por todo o mundo, em que os jovens tomavam a frente, derrubando antigos dogmas e sacudindo as tradições e o poder. Em “1968 o ano que não terminou”, Zuenir Ventura reconstitui o ano de 68 no Brasil em forma de romance, traduzindo os acontecimentos pelos relatos dos personagens que viveram e participaram dessa época.


O livro é dividido em quatro partes. Em sua primeira parte, subdividida em seis capítulos, conta o comportamento e os acontecimentos primordiais daquela nova geração. Começa relatando o famoso Reveillón de Helô, que é considerado por Zuenir o marco inicial das mudanças que viriam balançar o conturbado ano. Logo no início, ressalta a reorganização do movimento estudantil causado pela nova constituição. A nova geração redefine a mudança no comportamento, à necessidade de liberdade. Liberdade de expressão, por exemplo, com Caetano Veloso nas bancas com Alegria, Alegria. A liberação sexual, o ano em que as pílulas anticoncepcionais começam a fazer parte da vida feminina. Essa nova geração é, de cara, comparada com a de Paris. Entretanto, o fenômeno ocorrido no Brasil é muito mais ampliado. O poder jovem é grande. Suas idéias são baseadas em grandes nomes como Marcuse, Marx, Mao. A leitura excitava a imaginação desses jovens para a revolução e abria uma discussão contra o capitalismo. Porém, a grande discussão baseava-se em como derrubar a ditadura. A linha esquerdista defendia um enfrentamento, enquanto o Partidão acreditava na acumulação de forças. Essa disputa era demonstrada claramente nas manifestações pelos slogans de cada lado. Os estudantes organizavam passeatas contra a ditadura, torciam pela vitória dos vietcong na guerra, politizavam tudo. E acabavam abrindo espaço para a direita se deliciar, dizendo que eles deviam se preocupar mais com as aulas do que com a política, já que os estudantes passavam mais tempo distante das aulas.


Na segunda parte, Ventura mostra outro acontecimento importantíssimo para os fatos decorrentes em 1968: a morte do estudante Edson Luís Lima Souto que mobilizou o Rio de Janeiro. A cidade parou para o enterro do jovem. Houve uma manifestação política, pacífica e inesquecível, que uniu não apenas estudantes, mas várias pessoas que se horrorizaram com o fato. O autor também conta as agitações do governo que havia sido provisoriamente transferido para Porto Alegre e o decreto do AI-5, um pretexto para o golpe dentro do golpe. Nessa mesma parte, relata-se o acontecido na porta da Candelária na missa em homenagem a Edson. Após todos esses eventos, Costa e Silva promete que o Brasil não se transformaria em uma nova Paris. Porém, sua promessa é quebrada nos dias 19, 20 e 21 (quarta, quinta e sexta-feira). Principalmente na “sexta-feira sangrenta”, o dia marcado pelo ataque do povo e dos estudantes a polícia, uma seqüência de batalhas como nunca havia se visto. Na quarta-feira seguinte à Sexta-feira Sangrenta, aconteceu a Passeata dos 100 Mil. Logo ao final do penúltimo capítulo - “Cutucando a onça” - é relatado o convite pelo presidente para uma audiência especial com os estudantes. A verdadeira realização da audiência foi conturbada, já que alguns alunos não trajavam roupas permitidas pelo protocolo. No final das contas, a “comissão dos 100 mil” pôde ser recebida por Costa e Silva. O presidente queria convencê-los de que resolveria todos os problemas e de que seu governo era democrata. Zuenir demonstra de forma brilhante no último capítulo dessa parte o quanto esse tempo de exaltação serviu de laboratório para os órgãos de informação, já que havia sempre alguns seguranças disfarçados nas passeatas.


A terceira parte vai de setembro até o desfecho da crise, em dezembro. O autor conta como o III Festival Internacional da Canção foi transformado em uma intolerância, exibido a todo Brasil, ao vivo e ao som de vaias. Nesse período, o Brasil vinha se transformando em uma sucessão de problemas. Em 1º de outubro, era denunciado na Câmara um plano de oficiais da Aeronáutica que previa o seqüestro de 40 líderes políticos que seriam lançados a 40 quilômetros da costa, no oceano, pelo Para-Sar. Depois de a imprensa tomar conhecimento do caso, os estudantes se rebelaram. No capítulo “Um certo cheio de pólvora” conta-se o fracasso do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, que foi invadido pelo governo e ainda levou alguns clandestinos ao exílio.


Na última parte do livro, parte IV relata a “Trégua da Rainha”. Foram 10 dias em que a rainha Elisabeth II, da Inglaterra e seu marido, Philip, visitaram o Brasil e as crises foram adiadas até a saída dela do país. Em “A capitulação”, o autor conta a aceitação do pedido para o AI-5, em que o presidente estava decidido a capitular. O esboço virou o AI-5 e o Congresso foi fechado. O AI-5 teve 10 anos de vigência, censurou antes de ser editado e prendeu antes de ser anunciado publicamente. No último capítulo do livro “Nunca mais”, Zuenir Ventura termina declarando: “1968 entrava para a História, senão como exemplo, pelo menos como lição”.


Em seu livro, Zuenir relata como nunca havia sido feito antes o ano de 1968, de uma forma brilhante. Seu mergulho nessa geração demonstra a paixão com que foram à luta. O livro foi feito 20 anos depois. Mas, é possível sentir durante a leitura toda a exaltação daquele ano. Agora, 40 anos mais tarde, o livro, reeditado traz novamente esse sentimento a tona. “1968 o ano que não terminou” é, sem dúvida, o mais importante e fiel relato dos acontecimentos de 68 no Brasil.

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